quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Vacinação de Gestantes

VACINAÇÃO DE GESTANTES
Renato de Ávila Kfouri 


A vacinação de grávidas muitas vezes pressupõe oportunidades perdidas de vacinação da mulher, antes da concepção. Doenças imunopreveníveis deveriam ser alvo de prevenção em adolescentes e mulheres jovens, inseridas em um programa amplo de imunização com altas coberturas.
Porém, outras vezes a vacinação de grávidas pode beneficiar o neonato através da transferência de anticorpos via transplacentária e também via leite materno, em que pese o potencial risco desses anticorpos interferirem na resposta vacinal do lactente.
Helay e Baker demonstraram que a época ideal de vacinação de uma gestante é ao redor de 30 a 32 semanas, período que assegura uma efetiva transferência de anticorpos, especialmente da classe IgG.
É grande o temor de vacinar gestantes devido ao risco de anomalias fetais e abortos.
Poucos são os estudos randomizados e controlados que visam aferir a segurança de vacinas para uso em gestantes. São grandes as dificuldades éticas na realização dos mesmos, dificultando uma adequada compreensão dos mecanismos imunológicos de resposta às vacinas em grávidas. Muito da experiência da utilização de vacinas em gestantes advém do uso inadvertido desses imunobiológicos nessas mulheres.
Devemos lembrar que o puerpério é um excelente momento de atualizarmos o calendário vacinal da mulher, já que ela está inserida num centro de saúde, freqüentando sala de vacinação com seu filho e provavelmente não deverá engravidar nos próximos meses.
Neste capítulo, procuraremos abordar quem são as gestantes de risco, como avaliar risco da doença versus risco da vacinação e tentar definir, com base em estudos publicados, a melhor conduta para as situações mais habituais.
PRINCÍPIOS DA VACINAÇÃO EM GESTANTES
É sempre preferível evitar a vacinação de grávidas no primeiro trimestre da gestação, recomendação esta para qualquer tipo de vacina, inativada ou viva. Eventual relação temporal com abortamento e mal formações torna difícil a avaliação de causa e efeito.
Vacinas inativas são seguras, e podem ser utilizadas, quando necessário, nas gestantes, como por exemplo: difteria, tétano, influenza, hepatite B e outras.
Vacinas que contém vírus ou bactérias vivas a princípio devem ser contra indicadas, como varicela, sarampo, rubéola, caxumba, febre amarela, influenza nasal e outras, exceto em situações onde o risco de adoecimento sobrepuja o risco teórico vacinal.
Mudanças na situação epidemiológica local (epidemias ou surtos), viagem (para locais endêmicos de pólio, febre amarela, encefalite japonesa) ou exposição acidental (hepatite A e B e raiva), são situações que muitas vezes nos deparamos a fim de se recomendar medidas preventivas.
O quadro 1 sumariza as formais recomendações e contra‐indicações de vacinas em gestantes, bem como as situações em investigação.
Quadro 1: Vacinas recomendadas e contra‐indicadas em gestantes
VACINAÇÃO DE GESTANTES1,2
Vacinas recomendadas rotineiramente
dT Influenza
Vacinas indicadas em situações especiais
Pólio (oral ou inativada)
Pneumocócica polissacarídea (Pn23)
Meningocócica polissacarídea
Febre amarela Coqueluche Hepatite A Hepatite B Raiva Encefalite Japonesa
Vacinas em Vacinas contra indicadas investigação
Pneumocócica Sarampo
conjugada
Meningocócica conjugada
Pertussis acelular VSR Estreptococo grupo B Parainfluenza 3 Herpes simplex Vacina atenuada contra
influenza
Caxumba Rubéola Varicela BCG
1 Bricks LF Vacinação na gestação 2006
2 ACOG Committee Opinion Obstet Gynecol 2003
Até a década de 60 a vacinação da gestante era rotineira para difteria, tétano, pólio, influenza e varíola. Pouco se conhecia e não havia preocupação com eventuais eventos adversos e conseqüências para a gestação. As recomendações de imunização para grávidas eram baseadas em estudos realizados com mulheres gestantes inadvertidamente vacinadas.
Um grande estudo norte‐americano na década de 70, o CPP (Collaborative Perinattal Project), realizou seguimento de cerca de 50.000 gestantes e seus filhos por um período de sete anos, em que foram avaliadas malformações congênitas, deficiência auditiva, dificuldades de aprendizado e risco de neoplasias, não se evidenciando relação entre a administração das vacinas contra pólio, difteria, tétano, influenza e varíola com alterações a curto e longo prazo.
VACINAS ROTINEIRAMENTE INDICADAS NA GESTAÇÃO
VACINAS CONTRA DIFTERIA E TÉTANO (DUPLA TIPO ADULTO)
A redução do tétano neonatal em todo o mundo é evidência cabal de que a imunização de gestantes é capaz, através da transferência de anticorpos ao feto, de proteger o neonato e o lactente contra doenças imunopreveníveis. A imunização ativa tem o propósito de proteger mãe e filho.
A imunidade contra o tétano decai com o passar do tempo, evidenciando a necessidade de doses de reforço subseqüentes, em geral uma dose a cada 10 anos após o término do esquema básico primário de três doses.
O esquema de vacinação contra o tétano na gestação é feito com três doses naquelas mulheres que nunca receberam ou desconhecem seu histórico vacinal, devendo a primeira dose ser aplicada ainda no primeiro trimestre, a segunda dose próxima ao parto e a terceira dose no puerpério. Gestantes com esquema incompleto de vacinação devem completar o esquema durante a gestação.
Mulheres previamente vacinadas com esquema completo devem receber uma única dose desde que tenham recebido a última dose há mais de cinco anos, pelo menos duas semanas antes do parto.
VACINA CONTRA O INFLUENZA
Gestantes infectadas pelo influenza tem maior isco de desenvolver complicações e de hospitalização pela doença. Não raro a infecção é causa de trabalho de parto prematuro.
As vacinas contra o influenza licenciadas em nosso meio, são inativadas, capazes de induzir resposta imunogênica robusta, com títulos protetores em adultos saudáveis, com elevado perfil de segurança. Muitos países, especialmente da Europa e América do Norte recomendam o uso rotineiro da vacina contra o influenza em gestantes.
Grávidas respondem à vacina de maneira semelhante às mulheres não grávidas, e a eficácia vacinal pode variar a cada estação, especialmente em razão da coincidência das cepas circulantes com as vacinais.
A utilização da vacina durante a gestação é capaz de proteger o recém nato através da transferência passiva de anticorpos, durante a gestação e também pela lactação, especialmente no primeiro semestre de vida, quando o lactente jovem ainda não pode ser imunizado. A mãe estando imunizada não adoece, protegendo indiretamente seu filho.
VACINAS CONTRAINDICADAS NA GESTAÇÃO
As vacinas que contém componentes vivos, vírus ou bactérias, devem ser evitadas durante a gestação, pelo risco teórico de infecção fetal pelo vírus vacinal, com eventual interferência na embriogênese e desenvolvimento do feto. São exemplos de vacinas contra‐indiciadas: sarampo, caxumba, rubéola, varicela, tuberculose, pólio oral e influenza nasal.
O seguimento de mulheres inadvertidamente vacinadas com vacinas vivas, até hoje não demonstrou elevação da incidência de malformações ou de risco aumentado de complicações obstétricas ou neonatais.
Sato e cols demonstraram que no Estado de São Paulo nos anos de 2000 e 2001, durante uma campanha de imunização de mulheres adultas, cerca de 6000 grávidas foram inadvertidamente vacinadas contra a rubéola. Das 600 gestantes que eram soronegativas e desenvolveram anticorpos da classe IgM para rubéola pós vacinação, 8% delas infectaram seus bebês (IgM positiva), porém o seguimento dessas crianças não evidenciou nenhum caso de síndrome da rubéola congênita. Esta casuística é tranqüilizadora no sentido de não indicar a interrupção da gestação em casos de vacinação de grávidas.
VACINAS RECOMENDADAS PARA GESTANTES DE RISCO
RAIVA
A raiva é uma doença de enorme gravidade, com alta letalidade. A profilaxia pós exposição em gestantes deve ser indicada de maneira rotineira, já que o risco da doença suplanta o risco de um eventual evento adverso.
COQUELUCHE
Embora não haja dados de segurança da vacina contra a coqueluche em grávidas, alguns países recomendam a utilização da vacina contra a coqueluche, na sua apresentação acelular, em gestantes de risco para a aquisição da coqueluche: profissionais de saúde, adolescentes e moradoras de localidades com alta prevalência da doença.
Anticorpos maternos contra a coqueluche são transferidos ao feto, porém não está definido qual é o título considerado protetor (correlato de proteção).
Duas importantes questões são colocadas quando se considera a vacinação da gestante contra a coqueluche: a transferência de anticorpos é suficiente para a proteção do neonato nos primeiros meses de vida? Haveria alguma interferência na resposta imune do lactente nascido de mãe vacinada na gestação, quando da aplicação da vacina tríplice bacteriana?
A vacinação contra a coqueluche, apesar de não ser contra‐indicada, não é recomendada para utilização rotineira na gestante.
FEBRE AMARELA
A vacina contra a febre amarela não é rotineiramente indicada para a gestante, porém se a grávida vive em área de risco ou vai viajar para essas regiões, e não está com sua vacinação atualizada, a vacina pode ser recomendada a partir do sexto mês de gestação. Não há consenso na literatura em relação à adequada resposta imune da vacina contra febre amarela em grávidas. Suzano et col demonstraram num estudo realizado com 441 gestantes que foram vacinadas inadvertidamente contra a febre amarela, a segurança e a adequada resposta imune da vacina atenuada contra a febre amarela.
HEPATITE B
A prevenção da transmissão vertical da hepatite B é estratégia fundamental no controle da doença. Toda gestante deve ser submetida à investigação sorológica pré‐natal, e se forem susceptíveis e de risco, devem ser vacinadas em qualquer etapa da gestação, já que a vacina é inativada e segura.
Idealmente toda mulher em idade fértil deveria estar adequadamente imunizada contra a hepatite B antes de engravidar. A vacinação universal seria a melhor estratégia de erradicação da doença.
HEPATITE A
A vacina contra a hepatite A é inativada e teoricamente segura para utilização em gestantes, porém o seu uso durante a gravidez deve ser limitado aos casos de risco aumentado: pós exposição domiciliar ou a alimentos contaminados, ou gestantes susceptíveis que irão viajar para regiões de alta endemicidade da doença.
POLIOMIELITE
Não há evidências que as vacinas contra a poliomielite possam causar algum dano à gestante ou ao feto. Não se recomenda o uso rotineiro da vacina em grávidas, exceto no caso de viagens a regiões endêmicas de grávidas não imunizadas previamente. Nestes casos é sempre preferível o uso da vacina inativada.
MENINGOCOÓCICA
Por se tratar de uma vacina inativada é improvável que seu uso possa ocasionar algum problema à gestação. Não é uma vacina de uso rotineiro em grávidas, porém pode ser utilizada em situações de bloqueio de surtos, tanto a polissacarídea quanto a conjugada.
PNEUMOCÓCICA
Por se tratar de uma vacina polissacarídea inativada, é improvável que o seu uso possa ocasionar algum problema à gestação. Não é uma vacina de uso rotineiro em grávidas, porém deve ser administrada em gestantes de risco que não foram previamente vacinadas: asplênicas, portadoras de doenças metabólicas, cardíacas, renais, pulmonares e imunodeprimidas.
CONCLUSÕES
A imunização de mulheres deve fazer parte da rotina médica de ginecologistas, clínicos e hebiatras. Muitas vezes nos deparamos com gestantes em situações de risco para algumas doenças e que necessitam ser imunizadas. A avaliação do risco da doença e da vacinação nem sempre é tarefa fácil e a decisão de se vacinar ou não, deve ser dividida com o casal, baseada sempre em evidências conhecidas.
O puerpério é excelente momento para atualização do calendário vacinal da mulher, propiciando imunidade contra várias doenças imunopreveníveis.

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